23.5.11

um minuto do último

Na segunda prateleira do lado direito, logo na entrada da biblioteca do IA, fica o livro do Bacon. Pelo menos ficava. É um volume gordo no qual persisti bravamente por um ano, até desistir em busca de algo mais ameno pro corpoalma. Sete anos depois, no TCC da segunda graduação, minha orientadora me apresentou o estudo de Gilles Deleuze sobre a obra de Francis Bacon. Foi deslumbramento acrescido de saudade. Sim, vamos fazer uma coreografia "inspirada" nas pinturas de Bacon. Mas, como sabem, pintura é pintura e dança é dança, e o exercício de criar pontes entre trabalhos artísticos de naturezas distintas é, no mínimo, delicado. O resultado foi uma coreografia curta e, dentro dela, uma única cena que realmente dialogava com as pinturas. Uma única cena que conseguia se apropriar de um universo imagético e também de um pensamento sobre linguagem. Do mais, uma figura dançante vestida com as cores características de Bacon. Um equívoco. Desinteressante pra alguém que não queria apenas validar o que fazia apoiando-se na obra de um grande artista! Eis meu lado crítico... Foi impossível continuar, menos pelas questões ideológicas do que pela falta de tempo, é verdade. Dois anos depois, a Juliana, uma querida, que tinha assistido à cena que me referi acima, indicou a tal coreografia pra participar de uma programação em sp. Eu só conseguia pensar “e agora?”, mas por outro lado questões novas e instigantes não faltavam... Resumindo: apresentei as fotos do TCC, contextualizei o novo lugar da pesquisa, alertei ser a primeira vez que estava trabalhando sem a direção de alguém e propus uma estréia. Ousadia que deu certo. Optei por escolher "apenas" uma pintura sobre a qual me debruçar. Um trípitico de carnes azuladas - o que considerei poético e curioso, pensando principalmente no contexto supostamente sanguinário da obra de Bacon. Acabei, nem sei bem porque, assumindo a cor azul como uma metáfora pra minha dança, buscando a autonomia e o inusitado do meu corpo, o “azul da minha carne”. Eu sei, tudo isso pode parecer metafísico demais, confuso demais, mas acredito piamente nos que querem mostrar além das aparências. Quer seja mostrando o azul de uma matéria “por excelência” vermelha ou movendo o braço de modo que deixe de se ver apenas um braço. Uma luta assumida, uma dança borrada. Hoje posso dizer com propriedade que minha relação de amor e ódio por Bacon foi um lugar potente de investigação artística. Acrescento que toda essa falação, acompanhada pacientemente por você leitor, me rendeu duas suplências em importantes editais de sp no ano passado. O que me fez querer jogar tudo pro espaço, acreditem. Justifico: é difícil demais continuar sem dinheiro! Então, fica a dica pra quem quiser patrocinar minha pesquisa... Eis meu bom humor,e também um minuto do último solo. O olhar cuidadoso do Daniel batizado pelo olhar generoso do Nanah. Um “hai kai caindo em si”.


2 comentários:

  1. Amiga, quando eu ganhar na mega sena vou te patrocinar... quanto talento dando sopa (dando alma) por ai...
    Adorei o texto, adorei o video. A edicao foi do Dani? Ficou muito bom!
    Te amo!

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  2. Extra! Já tenho um patrocínio! Coisa boa...
    É, o Dani mandou muito bem na edição!

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