18.11.16

miragem

Na internet é possível ver o levantamento que o grupo Miragem, da USP, fez sobre o solo Para ver o azul da carne. Não dá pra saber como foi a discussão, mas já é legal saber que o solo foi tema de conversa. Espia! No http://miragemcveg.blogspot.com.br/2014_01_01_archive.html.


23.10.12

fim

                                                         foto da Cris Lyra


17.10.12

da Bia

Para ver o azul da carne.

Silêncio.
Ela está lá sentada. Olha. 

O que permanece durante o silêncio?

Silêncio e Pausa.
Um instante e nada.

A mão em direção ao rosto, a mão que tenta alcançar e desiste. Ainda sentada ameaça um passo para frente, volta. Os braços contornam o rosto, se levanta, os braços agora estão soltos. Deixa o corpo cair ao chão e avança. Recua sentando novamente. Os cabelos borram o movimento. Espera. Circunda as mãos no rosto delicadamente. Olha para baixo e expande os movimentos dos braços. Cada instante. Outro gesto. 

Deitada, ela pausa
A seta diz que ela está ali.

Se estrutura e começa a andar. Levanta.
Em suas palavras, ela se inclui.
“Para encontrar o azul uso pássaros. As letras fizeram-se para as frases.”

A dança e a música.
Tempo ressoante. Aqui.
Pele lisa de um silêncio. 
A seta indica.
Ela permanence.



(a Bia chama Beatriz Sano, dança e cozinha que só vendo, tem o dom da síntese e me escreveu quando esteve à toa, adorável a Bia)

16.10.12

três pilares e uma casa


“Uma vez um mestre zen descreveu o corpo como uma massa de carne vermelha na qual o ser humano entra e sai continuamente. Muitas pessoas acham que o corpo que veem é a totalidade daquilo que são. Sendo essa massa de carne vermelha certamente um ser humano, dentro do corpo existe um outro tipo de ser humano; alguma coisa que não depende do conglomerado de sangue e tecido. Esse outro ser está solto e muda constantemente. É nosso verdadeiro eu.”
(Yoshi Oida, O Ator Invisível

“O que posso dar às pessoas são informações para que criem sua dança honestamente, com técnicas que sejam convincentes para elas mesmas. Isso faz surgir um estilo pessoal, por mais semelhantes que essas pessoas sejam entre si. Isso é o que eu entendo por contemporâneo, moderno em dança. O que busco é dar espaço para as individualidades: posso ter um estilo meu e isso não será prejudicado quando estiver dançando em grupo.”
(Klauss Vianna, A Dança)

“Ser um ator significa, então, doar-se. E é nesse “se”, nesse pequenino pronome oblíquo, que está a beleza de sua arte. O presente que o ator deve dar a plateia, o objeto direto que complementa o verbo dar, é a própria pessoa do ator. Ele deve comungar a si mesmo com seu público, mostrando não apenas seu movimento corporal e sua mera presença física no palco, mas seu corpo-em-vida, seu ser, os recantos mais profundos e escondidos de sua alma.”
(Renato Ferracini, A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator)



No edital dizia que eu era obrigada a oferecer uma oficina; no projeto eu disse que QUERIA oferecer uma oficina. Por motivos óbvios, uma coisa é bem diferente da outra; o que me fez reivindicar pela oficina, ainda no texto do projeto, seu belo lugar de “parte fundamental”, ao invés de mera “contrapartida obrigatória”.



Com os três pilares acima, citações do Yoshi, do Klauss e do Renato, sempre intenciono a construção de casas que abriguem o desvelar de individualidades expressivas. Acredito piamente que não podemos falar de poéticas sem falar de sujeitos e disparo sem dó, já no primeiro encontro, “por que VOCÊ faz arte?” A consciência da necessidade de fazer pode trazer a iniciativa de fazer. Às vezes dá certo, às vezes não, mas sigo acreditando nessas construções como verdadeiras práticas artístico-pedagógicas.

A casa “um tríptico e uma dança” deu muito certo. Nessa oficina consegui expor o processo de criação do solo “para ver o azul da carne”, compartilhando minha investigação corporal e também meus estudos teóricos, ou seja, o sanar da minha necessidade. Basicamente, meu trajeto entre um dos trípticos do pintor Francis Bacon e a minha dança foi utilizado como condutor de novas danças. Experiência mais linda de viver.

Foram três dias, totalizando 09 horas de respiração, osso, carne, gente, bicho e pássaro. E tudo no plural, porque muito se descobriu sobre a importância de ser realmente o que se é. Eu poderia ficar aqui descrevendo os exercícios, os procedimentos, mas prefiro reforçar as convicções para que daí a experiência se propague.

Desejo sinceramente não esquecer o que aconteceu. E entendo esse texto como o início de um registro, um post-it gigante, a ser seguido por um vídeo. Aproveito para agradecer à Escola Técnica de Artes, especialmente à Camila, Isabella e Junia, e também aos alunos Aline, Camilla, Carolina, Cida, Claudia, Daniele, Daru, Geislaine, José, Marcela, Nathalia, Suselaine, Peticia e Tulio. Com eles, mais um grande aprendizado.

3.10.12

carta para Henrique Cartaxo


Henrique,

Sua carta me fez pensar e olhar para o meu trabalho de um jeito diferente. Também foi capaz de aproximar pessoas que buscavam compreender o solo para além da afetação proporcionada pelo contato direto, e eu lhe agradeço muito.

Pensar em sinais não é o que me move a dançar, mas certamente me conduz no processo de composição. O banco e a seta, por exemplo, foram elementos extraídos da obra do Francis Bacon porque suportaram a transformação que escolhi ser, em dança, aos olhos do espectador: gente sentada - bicho empoleirado – presença sublinhada. Caminho de uma investigação pessoal, faixa de mão dupla, à luz da “humanidade” retratada pelo pintor.

Você percebeu bem esse caminho, é exatamente disso que eu trato. Apresento o processo de uma busca, sem resultados explícitos, mas com alguns esboços do que sou, e do que pode ser a minha dança. O texto do Machado de Assis realmente entra para falar das referências que carrego; e, assim como Manoel de Barros, eu o incluí em um trabalho meu. Vontade de questionar um pouco sobre o conceito de “autoria” nas artes, de falar que sou um amontoado de referências e digestões delas. Também vontade de expor e compartilhar um texto que considero muito bonito, o qual escancara uma janela, inerente às boas metáforas, e me liberta das palavras ao mesmo tempo em que consente sua importância. Enfim, um trecho que quase não entrou, por eu considerar dança e palavra quase tão opostas quanto água e óleo, mas que tendo entrado fez toda diferença.


Em relação ao trabalho corporal, de fato houve um aprofundamento durante esses anos todos que você me acompanha (para minha surpresa!). Uma mobilização quase insana da minha coluna vertebral, algo que nunca imaginei conseguir. Ao preço de uma lesão, devo confessar, mas que me revelou uma particularidade bem expressiva. Salve! Um trabalho minucioso, fruto de um olhar sobre os vetores de movimento que enrolam, desenrolam, borram, suspendem etc. as figuras do Bacon.

Agora devo dizer que fiquei muitíssimo feliz por você me falar de “montagem”. Sou extremamente ligada ao encadeamento dos eventos e suas durações no tempo. Acho isso fascinante. Música mesmo! A particularidade da dança, pelo menos da dança que venho fazendo, é que a duração dos eventos tem relação direta com a presença, humor, emoção, e tudo o mais que não é palpável, do dançarino. Então, a cada dia, durante a circulação do solo, tive uma contagem de tempo diferente no cronômetro, e eu gostei disso. Claro que não falo de diferenças gritantes, mas de sutis. Daquelas que fazem valer!

Por fim, desejo sinceramente que a gente possa manter esse diálogo aberto. Coisa mais rica.

Beijo grande,
Érica


(a carta do Henrique foi publicada, em 11 de setembro de 2012, em seu próprio blog: http://hcartaxo.wordpress.com/2012/09/11/uma-carta-para-erica-tessarolo/

24.8.12

visita

Ontem recebi visita. As meninas do "colherada cultural" foram até a sala onde ensaio pra conversar e registrar um pouco do solo. Não achei fácil falar, escolher as palavras mais próximas daquilo que sinto com tanta intensidade. A dança que faço agora, esse tal azul, tem das artes plásticas não apenas uma referência temática, tem meu olhar, que entende meu corpo como material a ser modulado, deformado, expandido, desaguado... tal qual argila, tinta, grafite. E uma vontade imensa me deu de gritar pro mundo que arte é como comida pra mim, que não quero apoiar meu trabalho na obra de um grande artista, que literatura e artes plásticas invadem minha dança porque estão comigo diariamente. A história vem de longe e, ao mesmo tempo, é menor e mais simples. Talvez eu tenha cometido algum deslize aqui outro ali nessa conversa, mas foi uma experiência e tanto. Uma situação pra se repetir muitas e muitas vezes, clareando minhas idéias, compartilhando o que faço. Em breve a matéria poderá ser vista no www.colheradacultural.com.br. Agradeço muito à Camila, Luciana e Paula, e também ao Daniel que olhou tudo desse jeitinho aí:





2.8.12

sinopse

(texto de Alessandra Souza e Érica Tessarolo)

"PARA VER O AZUL DA CARNE é um solo de dança contemporânea criado pela dançarina e artista plástica Érica Tessarolo, com duração de 40’. Foi estreado em Junho de 2010 integrando o programa Semanas de Dança – Diálogos, do Centro Cultural São Paulo. No mesmo ano, participou do projeto Primeiro Passo, do SESC Pompéia, no qual apenas coreografias consideradas inaugurais na carreira dos artistas proponentes eram selecionadas. Sob este ponto de vista, PARA VER O AZUL DA CARNE é o primeiro solo no qual Érica Tessarolo assina concepção, criação, interpretação e direção coreográfica concomitantemente. Nos trabalhos anteriores, contou com a colaboração e a direção de outros artistas, neste, lançou-se ao desafio de estar sozinha em todas as etapas da composição coreográfica.

Também representa uma pesquisa longa, desde 2007, quando, já com o bacharelado em Artes Plásticas na bagagem e cursando a graduação em Dança na UNICAMP, Érica Tessarolo passou a se envolver com coreógrafos que trabalham na intersecção entre diferentes linguagens artísticas. Com Marisa Lambert, docente do Departamento de Artes Corporais da UNICAMP, desenvolveu os solos TU NÃO TE MOVES DE TI, transposição da obra homônima da escritora Hilda Hilst, e A FIGURA E O FATO, Trabalho de Conclusão de Curso, já inspirado na obra de Francis Bacon. Como estagiária da Companhia Borelli de Dança, acompanhou a remontagem de O PROCESSO, do coreógrafo Sandro Borelli, inspirado em livro homônimo de Franz Kafka. Com Vanessa Macedo, diretora da Companhia Fragmento de Dança, interpretou SOB A NUDEZ DOS OLHOS, inspirado no livro Ensaio Sobre a Cegueira, do escritor José Saramago, BEIJE MINHA ALMA, inspirado na vida e obra da artista plástica Tracey Emin, CORPOS FRÁGEIS, inspirado na vida e obra de Billie Holiday, Frida Kahlo, Katherine Mansfield, entre outras, e ANJOS NEGROS, inspirado na vida e obra de Virgínia Wolf. Com Juliana Moraes, diretora da Companhia Perdida, foi criadora-intérprete de (DEPOIS DE) ANTES DA QUEDA, inspirado nas fotografias de Francesca Woodman, e atualmente participa do trabalho PEÇAS CURTAS PARA DESESQUECER, cujo processo de criação revisitou a obra de Lygia Clark sob o prisma da pesquisa desenvolvida pela bailarina Ana Terra, docente da Universidade Anhembi Morumbi.

Conceitualmente, PARA VER O AZUL DA CARNE olha para o tríptico Três Estudos para Figuras ao pé de uma Crucificação, do pintor Francis Bacon, buscando possibilidades para uma investigação de movimento e coreografia. A crucificação, o grito, o isolamento e a deformação da figura são temas recorrentes na obra de Bacon; assim como “as carnes”, tidas como símbolo da existência de homens e bichos, é local assumido de mergulho poético e investigação pictórica. A previsibilidade na representação das figuras e dos ambientes que as cercam também é algo que não existe em suas pinturas. Nesta obra estudada, por exemplo, a carne não é vermelha – como a associação imediata que se faz – e a crucificação independe da existência de uma cruz – como ao longo de séculos instaurou o pensamento cristão.  Este lidar com questões comuns de modo inusitado, tão presente na obra deste artista, instigou Érica Tessarolo enquanto criadora. Dessa forma, as carnes azuladas de Três Estudos para Figuras ao pé de uma Crucificação sugeriram a cor azul como uma metáfora para sua dança, alimentando a busca pelo inusitado do seu corpo, o “azul da sua carne”.

Em cena, um espaço claro e uma figura borrada, a partir do intercalar de movimentos de extrema lentidão e extrema agilidade.

Recentemente PARA VER O AZUL DA CARNE foi contemplado pelo Programa de Ação Cultural/ProAC 2011, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo e prevê circulação, pela capital paulista, em setembro de 2012; assim como a recriação do figurino e da trilha sonora. O solo, segundo Érica Tessarolo, depois de dois anos de dedicação ininterruptos, numa luta insistente contra os ritmos impostos pelo "mercado cultural", respeitando o tempo do fazer artístico, encontra-se agora um pouco modificado e mais maduro."

20.5.12

começo


Demorou, mas há pouco mais de dois meses começamos a trabalhar com o auxílio do “Programa de Ação Cultural da Secretaria de Estado da Cultura”, o ProAC. Começamos: Alessandra Souza, Daniel Dias e eu. Pra quem não sabe, o solo que criei em 2010 chamado “para ver o azul da carne” conta agora com uma verba para ensaios, oficina, recriação de trilha sonora e figurino, e temporada de três finais de semana na cidade de São Paulo. Estou feliz, e envolvida com o trabalho. Nesse começo, assisti inúmeras vezes ao registro em vídeo de 2010, retomei corporalmente os movimentos da coreografia e analisei toda sua estrutura de modo a identificar os movimentos que constituem a “cara do solo”. É o início de um aprofundamento vertical, um olhar sobre o que já tenho em mãos e uma busca por desenvolvimentos possíveis. Caminho com cuidado, porque, como já disse, o solo foi criado há dois anos e posso acabar fazendo uma nova coreografia se me ater somente às vontades que tenho hoje. Um risco potencializado pelo fato de que, como também já disse, a trilha sonora e o figurino serão diferentes dos de 2010. Alguém pode até me perguntar o porquê dessa preocupação, achá-la um pouco exagerada, já que a cada dia estamos diferentes e que talvez não exista problema algum em transformar uma coreografia em outra. Ok, o contexto da dança contemporânea está cheio de exemplos de “revisitas” e “releituras” que acabaram transformando coreografias antigas em obras inéditas, obras melhores inclusive. Talvez, deva dizer apenas que não é o que eu quero por hora, afinal tenho um projeto para amadurecê-la e não abandoná-la. E o que é esta coreografia? Quais movimentos sustentam sua identidade? O que dela pode ser modificado sem que ela deixe de ser o que é? Como dançá-la sem ignorar as diferenças que percebo em meu corpo, decorrentes do trabalho contínuo, da vida? É por aí que vou seguindo. Cheia de questionamentos, pra honrar a criança perguntadeira que já fui um dia! Vou postar algumas reflexões, informações e imagens sobre esse processo aqui no abridela, sob o marcador “para ver o azul da carne”. Se quiserem acompanhar, comentar os posts, trazer reflexões novas, sugestão de textos, vídeos, serão bem-vindos!

23.5.11

um minuto do último

Na segunda prateleira do lado direito, logo na entrada da biblioteca do IA, fica o livro do Bacon. Pelo menos ficava. É um volume gordo no qual persisti bravamente por um ano, até desistir em busca de algo mais ameno pro corpoalma. Sete anos depois, no TCC da segunda graduação, minha orientadora me apresentou o estudo de Gilles Deleuze sobre a obra de Francis Bacon. Foi deslumbramento acrescido de saudade. Sim, vamos fazer uma coreografia "inspirada" nas pinturas de Bacon. Mas, como sabem, pintura é pintura e dança é dança, e o exercício de criar pontes entre trabalhos artísticos de naturezas distintas é, no mínimo, delicado. O resultado foi uma coreografia curta e, dentro dela, uma única cena que realmente dialogava com as pinturas. Uma única cena que conseguia se apropriar de um universo imagético e também de um pensamento sobre linguagem. Do mais, uma figura dançante vestida com as cores características de Bacon. Um equívoco. Desinteressante pra alguém que não queria apenas validar o que fazia apoiando-se na obra de um grande artista! Eis meu lado crítico... Foi impossível continuar, menos pelas questões ideológicas do que pela falta de tempo, é verdade. Dois anos depois, a Juliana, uma querida, que tinha assistido à cena que me referi acima, indicou a tal coreografia pra participar de uma programação em sp. Eu só conseguia pensar “e agora?”, mas por outro lado questões novas e instigantes não faltavam... Resumindo: apresentei as fotos do TCC, contextualizei o novo lugar da pesquisa, alertei ser a primeira vez que estava trabalhando sem a direção de alguém e propus uma estréia. Ousadia que deu certo. Optei por escolher "apenas" uma pintura sobre a qual me debruçar. Um trípitico de carnes azuladas - o que considerei poético e curioso, pensando principalmente no contexto supostamente sanguinário da obra de Bacon. Acabei, nem sei bem porque, assumindo a cor azul como uma metáfora pra minha dança, buscando a autonomia e o inusitado do meu corpo, o “azul da minha carne”. Eu sei, tudo isso pode parecer metafísico demais, confuso demais, mas acredito piamente nos que querem mostrar além das aparências. Quer seja mostrando o azul de uma matéria “por excelência” vermelha ou movendo o braço de modo que deixe de se ver apenas um braço. Uma luta assumida, uma dança borrada. Hoje posso dizer com propriedade que minha relação de amor e ódio por Bacon foi um lugar potente de investigação artística. Acrescento que toda essa falação, acompanhada pacientemente por você leitor, me rendeu duas suplências em importantes editais de sp no ano passado. O que me fez querer jogar tudo pro espaço, acreditem. Justifico: é difícil demais continuar sem dinheiro! Então, fica a dica pra quem quiser patrocinar minha pesquisa... Eis meu bom humor,e também um minuto do último solo. O olhar cuidadoso do Daniel batizado pelo olhar generoso do Nanah. Um “hai kai caindo em si”.