3.10.12

carta para Henrique Cartaxo


Henrique,

Sua carta me fez pensar e olhar para o meu trabalho de um jeito diferente. Também foi capaz de aproximar pessoas que buscavam compreender o solo para além da afetação proporcionada pelo contato direto, e eu lhe agradeço muito.

Pensar em sinais não é o que me move a dançar, mas certamente me conduz no processo de composição. O banco e a seta, por exemplo, foram elementos extraídos da obra do Francis Bacon porque suportaram a transformação que escolhi ser, em dança, aos olhos do espectador: gente sentada - bicho empoleirado – presença sublinhada. Caminho de uma investigação pessoal, faixa de mão dupla, à luz da “humanidade” retratada pelo pintor.

Você percebeu bem esse caminho, é exatamente disso que eu trato. Apresento o processo de uma busca, sem resultados explícitos, mas com alguns esboços do que sou, e do que pode ser a minha dança. O texto do Machado de Assis realmente entra para falar das referências que carrego; e, assim como Manoel de Barros, eu o incluí em um trabalho meu. Vontade de questionar um pouco sobre o conceito de “autoria” nas artes, de falar que sou um amontoado de referências e digestões delas. Também vontade de expor e compartilhar um texto que considero muito bonito, o qual escancara uma janela, inerente às boas metáforas, e me liberta das palavras ao mesmo tempo em que consente sua importância. Enfim, um trecho que quase não entrou, por eu considerar dança e palavra quase tão opostas quanto água e óleo, mas que tendo entrado fez toda diferença.


Em relação ao trabalho corporal, de fato houve um aprofundamento durante esses anos todos que você me acompanha (para minha surpresa!). Uma mobilização quase insana da minha coluna vertebral, algo que nunca imaginei conseguir. Ao preço de uma lesão, devo confessar, mas que me revelou uma particularidade bem expressiva. Salve! Um trabalho minucioso, fruto de um olhar sobre os vetores de movimento que enrolam, desenrolam, borram, suspendem etc. as figuras do Bacon.

Agora devo dizer que fiquei muitíssimo feliz por você me falar de “montagem”. Sou extremamente ligada ao encadeamento dos eventos e suas durações no tempo. Acho isso fascinante. Música mesmo! A particularidade da dança, pelo menos da dança que venho fazendo, é que a duração dos eventos tem relação direta com a presença, humor, emoção, e tudo o mais que não é palpável, do dançarino. Então, a cada dia, durante a circulação do solo, tive uma contagem de tempo diferente no cronômetro, e eu gostei disso. Claro que não falo de diferenças gritantes, mas de sutis. Daquelas que fazem valer!

Por fim, desejo sinceramente que a gente possa manter esse diálogo aberto. Coisa mais rica.

Beijo grande,
Érica


(a carta do Henrique foi publicada, em 11 de setembro de 2012, em seu próprio blog: http://hcartaxo.wordpress.com/2012/09/11/uma-carta-para-erica-tessarolo/

Um comentário:

  1. Um rico diálogo de fato! Gostei de saber também que os tempos variam. Assisti sua entrevista no Em Cartaz em que você diz que não se acostumou nunca com a música e por isso reage a ela sempre ao vivo. Com certeza isto contribui para a autenticidade das sensações que você carrega - e para a qualidade nossas "afetações", como você diz.

    Continuo, então, acompanhando.

    Link direto para a minha carta: http://hcartaxo.wordpress.com/2012/09/11/uma-carta-para-erica-tessarolo/

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