16.10.12

três pilares e uma casa


“Uma vez um mestre zen descreveu o corpo como uma massa de carne vermelha na qual o ser humano entra e sai continuamente. Muitas pessoas acham que o corpo que veem é a totalidade daquilo que são. Sendo essa massa de carne vermelha certamente um ser humano, dentro do corpo existe um outro tipo de ser humano; alguma coisa que não depende do conglomerado de sangue e tecido. Esse outro ser está solto e muda constantemente. É nosso verdadeiro eu.”
(Yoshi Oida, O Ator Invisível

“O que posso dar às pessoas são informações para que criem sua dança honestamente, com técnicas que sejam convincentes para elas mesmas. Isso faz surgir um estilo pessoal, por mais semelhantes que essas pessoas sejam entre si. Isso é o que eu entendo por contemporâneo, moderno em dança. O que busco é dar espaço para as individualidades: posso ter um estilo meu e isso não será prejudicado quando estiver dançando em grupo.”
(Klauss Vianna, A Dança)

“Ser um ator significa, então, doar-se. E é nesse “se”, nesse pequenino pronome oblíquo, que está a beleza de sua arte. O presente que o ator deve dar a plateia, o objeto direto que complementa o verbo dar, é a própria pessoa do ator. Ele deve comungar a si mesmo com seu público, mostrando não apenas seu movimento corporal e sua mera presença física no palco, mas seu corpo-em-vida, seu ser, os recantos mais profundos e escondidos de sua alma.”
(Renato Ferracini, A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator)



No edital dizia que eu era obrigada a oferecer uma oficina; no projeto eu disse que QUERIA oferecer uma oficina. Por motivos óbvios, uma coisa é bem diferente da outra; o que me fez reivindicar pela oficina, ainda no texto do projeto, seu belo lugar de “parte fundamental”, ao invés de mera “contrapartida obrigatória”.



Com os três pilares acima, citações do Yoshi, do Klauss e do Renato, sempre intenciono a construção de casas que abriguem o desvelar de individualidades expressivas. Acredito piamente que não podemos falar de poéticas sem falar de sujeitos e disparo sem dó, já no primeiro encontro, “por que VOCÊ faz arte?” A consciência da necessidade de fazer pode trazer a iniciativa de fazer. Às vezes dá certo, às vezes não, mas sigo acreditando nessas construções como verdadeiras práticas artístico-pedagógicas.

A casa “um tríptico e uma dança” deu muito certo. Nessa oficina consegui expor o processo de criação do solo “para ver o azul da carne”, compartilhando minha investigação corporal e também meus estudos teóricos, ou seja, o sanar da minha necessidade. Basicamente, meu trajeto entre um dos trípticos do pintor Francis Bacon e a minha dança foi utilizado como condutor de novas danças. Experiência mais linda de viver.

Foram três dias, totalizando 09 horas de respiração, osso, carne, gente, bicho e pássaro. E tudo no plural, porque muito se descobriu sobre a importância de ser realmente o que se é. Eu poderia ficar aqui descrevendo os exercícios, os procedimentos, mas prefiro reforçar as convicções para que daí a experiência se propague.

Desejo sinceramente não esquecer o que aconteceu. E entendo esse texto como o início de um registro, um post-it gigante, a ser seguido por um vídeo. Aproveito para agradecer à Escola Técnica de Artes, especialmente à Camila, Isabella e Junia, e também aos alunos Aline, Camilla, Carolina, Cida, Claudia, Daniele, Daru, Geislaine, José, Marcela, Nathalia, Suselaine, Peticia e Tulio. Com eles, mais um grande aprendizado.

2 comentários:

  1. Será que seria possível passar pelo processo criativo sem essa fase de exposição? Ter que falar sobre (e transmitir) traz a necessidade de uma compreensão mais apurada sobre o que se está fazendo, nos leva além da sensibilidade do artista de "carregar nos ombros o sentimento do mundo".

    Há quem diga que isso pode atrapalhar, no meu caso ajuda.

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    1. No meu caso também, Henrique. Sobretudo o ato de escrever sobre; chega a organizar as coisas, clarear as paisagens. Sinto dessa forma, pra citar o mesmo poeta, que o mundo, de fato, "não pesa mais que a mão de uma criança".

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